quinta-feira, 10 de julho de 2014

Confiança






Minha tia costumava dizer: "Confiança, a gente só tem uma no estoque."
Se acabar, acabou. Se usar tudo, se perder, se jogar fora, se estragar...não tem mais.
Não dá para comprar, alugar, emprestar, esticar, substituir, pôr de molho. É única, sem história, sem promessa, sem "isso passa. "  Simples assim.
É uma ideia muito dura essa que certas coisas não têm conserto. Mas é a verdade. 
Quantas vezes a gente não teve a confiança perdida, e nunca mais a encontrou de volta?
Eu mesma tive umas tantas. 
Amigos que partiram meu coração, amor que não me queria bem, projetos que nunca decolaram, produtos que não cumpriram suas promessas...
Essas coisas da vida que todo mundo passa, por sorte ou por azar.
Que vão nos deixando com a casca grossa e os reflexos ligeiros, que é para a gente cair menos, e se tropeçar, o tombo não doer tanto.
Pela ideia da minha tia, a gente começa lá na infância, com o lojinha cheia. As prateleiras vêm lotadas de confiança e suas variações: a esperança na vida, a fé na humanidade, o otimismo no amanhã, a certeza de final feliz. 
Com o passar do tempo, as decepções vão roubando nosso estoque, as frustrações deixando buracos que abalam até as estruturas da despensa. 
E fazer o que com esses espaços vazios ?
Realmente gostaria de poder dizer: ah, é só preencher com perdão e segundas chances, com paciência e a crença de que vai dar certo.
Mas sabemos que não é bem assim.
Tem perdas irremediáveis, tem pessoas que merecem ficar pra trás, tem histórias que é melhor deixar pra lá.
O problema é que, ainda que a gente não queria mais, o buraco na prateleira fica. E o buraco na prateleira é um buraco na gente.
Bom, não sei o que fazer com isso. Mas sei que o não fazer: deixar esses buracos se encherem de ressentimento e amargura. De medo de perder e angústia de acreditar de novo. Eu sei, o estoque está baixo, vamos ficar gastando nossa boa vontade assim ? Ahá ta!
Mas aí é que está. O que minha tia não sabia, mas tenho descoberto por aí, é que, assim como podemos perder a confiança que tínhamos estocada, também podemos ganhar fé em coisas que nem imaginávamos. Com esses achados, não  tapamos os buracos. Mas voltamos a nos sentir maiores e mais inteiros. 
Quer ver ?  Pense na lojinha. O estoque antes cheio, anda minado depois de uns calotes. Mas vem gente nova querer fazer negócio. Se a gente fecha a porta para proteger o pouco que nos sobrou, ok, até que fica resguardado.
Mas a única maneira de crescer e repovoar as prateleiras, ainda que seja com outras histórias, é justamente se abrindo.
É difícil, eu sei. A gente se pega desconfiando antes mesmo de confiar. É preciso ter truques. O meu é tentar contar, para cada coisa que me decepciona, ao menos uma que me surpreenda. 
Para cada pessoa que me frustou, lembrar de uma que me fez bem. Para cada plano que deu errado, uma ideia que deu certo. Para cada dia ruim, (aff e como tem dia ruim) um momento feliz. 
E daí, tia, eu vejo que é verdade: algumas confianças perdidas são irrecuperáveis. Mas, quando a gente se liberta delas, também pode ganhar muitas outras no caminho.
Achar motivos e pessoas para acreditar é um exercício diário.  E assim fazendo nós vamos recuperar a fé e um mundo melhor. 


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